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Diretor: Paulo Menano

À conversa com Vítor Santos a propósito do Dia da Criança


A comemoração do Dia da Criança foi o mote para a conversa com Vítor Santos na perspetiva do acesso ao desporto pelas crianças.

Vítor Santos é natural de Viseu. É licenciado em Comunicação Social e técnico superior no Instituto Politécnico de Viseu.

É embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto desde 2018.

Quem é o Vitor Santos?
– Um viseense que desde sempre foi fascinado pelo desporto e sonhou ser jogador de futebol. Na época não tive quem me alertasse que não chega saber dar uns “toques” (risos). Acompanhei sempre os clubes de Viseu de uma forma apaixonada: Académico, Viseu e Benfica, Lusitano, Repeses, etc. Joguei futebol no BUB e Viseu e Benfica, andebol no Académico de Viseu e voleibol na Associação Académica de Viseu.

Em criança assistia aos treinos do Académico de Viseu. Era quando estava mais perto dos meus ídolos de então. Os fins de semana eram passados a jogar e a ver desporto quer fosse no Fontelo, Vildemoínhos, Ranhados ou em qualquer outra cidade ou vila, para assistir a jogos independente das equipas serem ou não da minha simpatia. O jogo para mim sempre foi o mais importante.
A primeira memória que tenho é a do Académico-Porto para a Taça de Portugal. Estádio cheio e o Cubillas é nome que recordo, mais do que a imagem. Neste dia andei literalmente pelo ar (risos).

O primeiro jogo internacional que vi foi o Benfica-Torpedo de Moscovo em 1977 (tinha 10 anos) para a Taça dos Campeões Europeus. Anos mais tarde assisti a uma dúzia de jogos para a liga dos campeões do F. C. Porto. Devorava os jornais desportivos. Adorava ler as crónicas de grandes jornalistas. Sempre gostei de observar e apreciar o jogo associados à leitura.

O interesse pelo desporto foi esmorecendo e a vida seguiu outros caminhos, outras motivações e a cada ano mais me afastava do desporto.

Em 1999 entrei para o Académico como treinador e na formação permaneci 15 anos com passagens pelo Viseu e Benfica. Com a licenciatura em comunicação social entrei num projeto de um semanário desportivo que foi um época que recordo com saudade. Agora colaboro com a imprensa regional. O desporto continua na minha vida de uma forma menos apaixonada enquanto fenómeno e mais pragmática.

Com um percurso na área desportiva como surge a ideia de publicar um livro?

A ideia de publicar um livro não me passava pela cabeça. Nunca foi um objetivo. No entanto acaba por ser uma sequência natural do trabalho desenvolvido em todos estes anos e pelo facto de ter sido desafiado a registar de uma forma compacta e organizada quer os textos publicados na imprensa, quer as comunicações que tenho realizado em clubes. Em língua portuguesa não existe ainda muita bibliografia sobre estas temáticas. O resultado final deixou-me bastante agradado e a aceitação que teve foi a prova de que esta publicação fazia sentido.

– Que podemos encontrar no livro?

Este livro teve como base a participação dos pais na prática desportiva dos filhos e leva-nos para uma reflexão provocadora do triângulo do desporto de formação: o atleta, os pais e o clube/treinador. Os comportamentos destes e a influência que têm no crescimento dos seus progenitores. Quando comecei este trabalho, em que a minha experiência enquanto treinador da formação era a principal fonte de informação, resumia todos os males da formação a esses comportamentos. Senti necessidade de entender o porquê e depois de muita reflexão, investigação, concluí que era só uma das partes do problema. Importa referir que o livro não se limita a tocar em aspetos menos positivos do comportamento de Pais e Treinadores, ele promove, concomitantemente, a profilaxia destes comportamentos acendendo luzes orientadoras para este difícil processo de formação através do Desporto. Por isso tenho recebido muitas mensagens no sentido de não reduzir este livro ao Desporto mas sim ao comportamento humano através de um “olhar desportivo”.

O livro toca em todos os agentes ligados ao desporto: dirigentes, treinadores, árbitros, adeptos, atletas e seus familiares.

Parece-me que acabámos por fazer um livro bastante equilibrado e que não pretende, nem pode ser, de receitas ou lições de moral. São reflexões sobre comportamentos, na maioria desviantes, que levam cada vez mais ao abandono precoce do desporto por parte dos jovens, a atos de violência, a frustrações, etc.

O livro contém ainda um caderno pedagógico sobre a participação dos pais na prática desportiva, anteriormente publicado na Revista da Federação Portuguesa de Futebol e uma homenagem ao João Manuel.

– Muitas histórias em todos estes anos de treinador da formação?
Muitas (risos). Já falei com amigos e pessoas que me contactaram sobre um dia escrevemos essas histórias. Umas caricatas e que hoje nos provocam grandes risadas mas também existem momentos de autêntico terror – fechado em balneários e em que temia pela integridade dos meus atletas. Além da falta de civismo e má educação de algumas pessoas que tinham a responsabilidade de educar. A verdade é que se confunde muito ganância com ambição.

– Falou no plural. Como foi o processo de construção do livro?
É verdade. Como referi senti a necessidade de contextualizar a participação dos pais no desporto atual. Contactei com personalidades de mérito reconhecido que têm um percurso de intervenção coerente e séria no desporto e que de imediato se disponibilizaram a contribuir com o seu saber. Outros ficaram de fora para tristeza minha. Os temas estavam definidos à partida porque a minha escrita já os abordava: a ética, o envolvimento parental, a arbitragem, as histórias do desporto e surgiu um livro que tem muitas referências ao que pior temos no desporto em Portugal em contraponto ao valor do desporto, ao ser-se desportista.

– No prefácio escrito por José Lima podemos ler “Fica um manifesto, de certa forma político, na abordagem da desertificação e a falta de recursos como aspetos limitativos do desenvolvimento desportivo fora dos grandes centros urbanos”. A desertificação é um problema desportivo?

Não. É um problema do país. O desporto é só mais uma atividade. A falta de pessoas, de crianças e jovens tem um impacto enorme na prática desportiva. As associações começam a ter falta de clubes, os clubes falta de atletas, os atletas falta de competição e digamos que tudo se interliga e empobrece a o desporto. Fará sentido em Portugal falar de interioridade?! Afinal estamos a 1h do oceano atlântico!

O desporto é uma atividade humana muito significativa para os setores económicos e sociais.

– Mérito é o que o PNED em parceria com o CNID reconhecem no seu trabalho. Como é receber essas distinções?

O trabalho que tenho feito é conhecido aqui na região e reconhecido fora. Nunca pedi nada ou sugeri o meu nome para o que quer que seja. Continuo a levar esta missão de educar sonhos muito a sério e com trabalho feito. Muitos amigos e colegas saúdam-me por tal atrevimento. Mas não consigo virar a cara para o lado e fazer de conta que está tudo certo.

Mas hoje sei que temos de sair do nosso meio para percebemos o valor do trabalho que fazemos, quem somos. O PNED (Plano Nacional de Ética Desportiva) ao reconhecer, nos últimos anos, o meu trabalho no âmbito da ética desportiva deu-me a oportunidade de atravessar as fronteiras locais e de levar o meu trabalho mais longe. Ao convidarem-me para ser Embaixador de tão nobre causa, e em que aceitei e assinei esse compromisso, horaram-me muito. A FPF (Federação Portuguesa de Futebol) ao publicar o meu trabalho, na sua revista oficial, sobre a participação dos pais foi outro momento que selou a garantia de que estamos perante algo de qualidade. Não nego que gosto de ver o meu trabalho aprovado por estas instituições.

– Podemos considerar que o balanço é positivo?

Em relação ao livro foi. Superou as expetativas. O feedback que recebo das minhas ações são muito gratificantes. Este ano já realizei umas três dezenas. Espero que sejam um contributo, mesmo que de uma forma mínima, para o melhoramento da cultura desportiva em Portugal. Que as pessoas reflitam um pouco.

– É por falta de cultura desportiva que o futebol profissional vive estes momentos de crispação?

Com certeza. Temos todos a sensação que os clubes não se importam de não jogar e ser campeões no final. O trabalho dos atletas, treinadores e restante staff é sobrevalorizado em relação ao “chico espertismo”. Está enraizado que fora dos estádios/pavilhões ganham-se os jogos. Tudo que seja preciso fazer para isso faz-se. As televisões oferecem o que as pessoas querem ver e por isso não têm culpa do mau gosto desportivo. O que realmente é de lamentar são agentes desportivos ou ex «travestidos». Isso não entendo de como se permite tal situação.

– Os estádios estão quase todos vazios!

E com tendência a piorar. Os últimos números pós-pandemia demonstram isso mesmo. Construímos estádios com melhores condições, mas não cuidamos do espetáculo. Nos últimos dias temos visto muitas pessoas a regozijarem-se pelo facto de Portugal não ter nenhum árbitro no Mundial do Catar. Esta situação, para estas pessoas, vem dar força aos seus argumentos de que os árbitros em Portugal não têm qualidade e a arbitragem é um mundo perverso e corrupto. Estes agentes desportivos são os mesmos que vibram quando o Porto, Sporting ou Benfica são eliminados das competições europeias e que já se preparavam para “fuzilar” o selecionador nacional de futebol caso não vencêssemos o play-off. São os mesmos que torcem contra o Manchester City por ter jogadores formados no Benfica, contra Mourinho por o conotarem ao Porto, contra Portugal (no euro 2016) por ter como base jogadores formados no Sporting.

Ou seja, esta gente não gosta de desporto, não gosta de futebol. Esta gente não respeita a modalidade. Se quem não gosta tem o dever de respeitar, quem gosta muito mais. Não se defende a modalidade e os seus agentes. O clubismo pacóvio está em crescendo! A organização em Portugal, em diversas atividades, deixa sempre muito a desejar. Somos mais reativos que preventivos. A atividade Desporto é a mais mediática do mundo e tem uma força a nível social, económico, financeiro e de modernidade que nenhuma outra tem. Mas é sempre olhada com uma atividade menor e, infelizmente, o desporto de proximidade perde adeptos para as televisões.

– Alguma situação menos agradável neste processo?

Por vezes as pessoas não entendem que não falo delas ou dos seus clubes, mas dos comportamentos abusivos e repetidos que se verificam semanalmente no desporto. Não podemos deixar que se normalizem. Já tenho experiência suficiente para conhecer o terreno em que me movimento. As expetativas não são nunca exacerbadas.

Estranhei o alheamento dos clubes e associações, salvo raras exceções, do distrito em relação a esta temática, é verdade. Agora com os processos de certificação e das candidaturas à bandeira da ética têm tido uma maior atenção para estes fenómenos. Não aproveitaram o momento para sensibilizarem, para discutirem estes assuntos da ética e da participação dos pais na formação, era sinal que ou estava tudo bem ou que é melhor não “mexer” para não piorar. A formação técnica é muito importante, mas insuficiente como provam as atitudes que semanalmente assistimos no desporto infanto-juvenil. Ainda está tudo muito confortável!

– O desporto infantil está “doente”?

Os adultos envolvem-se em demasia na atividade desportiva das crianças. O interesse superior da criança deve prevalecer como um critério no direito ao brincar e no direito ao desporto. Só pedimos para que deixem as crianças jogar. Dar-lhes a máxima autonomia no contexto de jogo para que possam e devam ser elas a decidirem o que fazer. A serem elas a resolverem os seus “problemas” e assim desenvolverem as suas capacidades de superarem o erro. Os adultos devem apoiar positivamente e acima de tudo usufruírem do jogo das crianças.
A família é importante…

– A família é um fator determinante para o sucesso. A verdade é que os pais não estão, na maior parte das vezes, preparados para serem pais de atletas. Ao envolver-se na prática desportiva dos seus filhos está a iniciar um novo papel na sua vida: ser pai/mãe no desporto.

A vida altera-se quando o filho entra no desporto e muita da rotina familiar é feita em função dos horários desportivos do filho. Acrescentar a isto que os fins de semana também são condicionados pela participação do filho na competição. Daí inúmeras vezes os pais indignarem-se pela pouca ou nenhuma utilização do filho no jogo. Esta gestão é a mais difícil para os treinadores. O stress a que se sujeitam e para o qual não estavam minimamente educados para tal são muitas das vezes causadores de conflitos.

Onde estamos e onde devíamos estar?
Estamos numa fase em que as crianças e jovens orientam, a sua atuação para o resultado, o foco é o resultado. Ora quando o resultado não é positivo, estes atletas não encontram satisfação nas tarefas que realizaram.

Há estudos que revelam que nestes atletas, os níveis de ansiedade são elevados, condicionam a sua imagem ao resultado. Por outro lado, dependem de variáveis, que não controla e poderão desistir mais facilmente… Quando é positivo a felicidade pode esconder falhas irreversíveis.

Devíamos estar na fase de entender a competição como uma manifestação desportiva que é parte do processo educativo e não o seu produto! A competição deve ser entendida como uma ferramenta educativa, participativa e convivência, além de um válido instrumento de transmissão de valores.

– Por esta altura já deve estar a pensar em outros projetos. Pode revelar mais sobre esses?

Tenho realizado várias ações sobre esta temática quer presenciais quer através da internet. Tenho recebido convites de todo o país e mesmo do estrangeiro para me deslocar até eles e apresentar o meu trabalho. Quanto ao livro a cada dia que passa a sensação que tenho é que está ainda mais atualizado. No entanto gostava de fazer uma edição acrescentada pois nestes últimos anos acumulei muitos mais conhecimentos e vivenciei novas realidades.

“Educar o sonho: ética e envolvimento parental na prática desportiva” é o livro de Vítor Santos. O livro tem prefácios de José Lima (Coordenador do Plano Nacional de Ética Desportiva) e de João Luís Esteves (Doutorado em desporto e ex-jogador profissional de futebol) e proémios de Júlio Garganta (Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto), de Duarte Gomes (ex-árbitro internacional e atual comentador de arbitragem) e de Rui Miguel Tovar (jornalista e comentador do programa Grandiosa Enciclopédia do Ludopédio da RTP). Apresentado em Viseu o livro tem merecido os maiores elogios por vários setores da sociedade.

 

Prémios e distinções:
2021: Menção Honrosa do Prémio de Imprensa Desporto com Ética/2020, pelo trabalho “O papel dos pais na vida desportiva dos filhos”.
2020: 1º Prémio de Imprensa Desporto com Ética/2019 – Imprensa Regional, pelo conjunto dos trabalhos: “Pais e filhos juntos é o Melhor”, “Faz o que eu digo não o que faço, já era!”, “Não é fácil ser treinador”, “Para que clube vai o meu filho?!” e “Táticas e modelos comportamentais”.
2019: Prémio de Imprensa Desporto com Ética/2018, pelo trabalho “Carta aberta a todos os jovens que sonham ser profissionais de futebol”, devido ao conteúdo e originalidade da apresentação.
2018: 2.º Classificado da 6.ª edição do Prémio Desporto “Ética para a Imprensa Regional” com o artigo: Silence is gold.
2017: Menção Honrosa pelo reconhecimento dos artigos sobre temas fundamentais da Ética Desportiva.
2016: 1.º Classificado da 4.ª edição do Prémio Desporto “Ética para a Imprensa Regional” 2016 com o artigo “Falta de cultura desportiva”.
2016: Menção Honrosa do Prémio Imprensa Regional – Desporto com Ética, pelo trabalho: “A participação dos pais na prática desportiva dos filhos”.