Mais Beiras Informação

Diretor: Paulo Menano

Entrevista: Carlos Ascensão e a Feira do Queijo de Celorico da Beira que fez das vendas “um êxito”


Carlos Manuel da Fonseca Ascensão é Presidente do Conselho de Administração da Associação de Desenvolvimento Rural da Serra da Estrela (ADRUSE) e também Presidente da Câmara Municipal de Celorico da Beira desde 23 de outubro de 2017.
É igualmente Presidente da Comissão Distrital de Proteção Civil da Guarda e Vice-presidente da Distrital do PSD da Guarda assim como líder da Concelhia do PSD de Celorico da Beira. É natural de Rapa, atual União de Freguesias Rapa e Cadafaz (Celorico da Beira), e foi a ele que nos dirigimos para conhecer melhor a Feira do Queijo que decorre de 28 de fevereiro a 28 de março.

Beiras Informação( M.B.I) – Qual a importância da produção do Queijo na economia local?

Carlos Ascensão (C.A) – Como qualquer feira regimentada em épocas medievais, a feira sempre manteve a essência de local de encontro e trocas. A produção queijeira constitui um pilar da economia local (dados oficiais, em 2021 a produção queijo é de 48.860Un. Falar de Celorico da Beira é falar de queijo Serra da Estrela. São indissociáveis. Desde tempos imemoriais, a pastorícia tem sido uma atividade de cariz familiar e principal fonte de rendimento de um grande número de famílias deste território, localizado nos contrafortes da Serra da Estrela.

M.B.I – Qual foi a maior dificuldade encontrada, na organização desta nova edição?

C. A – A Feira do Queijo 2021, inteiramente online, constituiu um enorme desafio, excecional, que estamos a superar com êxito. A substituição do modelo tradicional da Feira do Queijo, presencial e plena de animação, para o formato digital, um mundo ainda desconhecido para a grande maioria dos nossos produtores, criou algum receio, o que dificultou a adesão dos mesmos à iniciativa. Foi o nosso desafio principal. Ao adaptar e inovar a feira
ao formato digital foi preciso credibilizar a opção, e por essa razão apostámos numa filosofia de comunicação que fosse ao encontro das pessoas e do seu modo de vida. A experiência está a ser positiva. Mas, é consensual que todos desejamos voltar a viver as feiras tradicionais já em 2022, faz-nos falta o convívio, reencontro e a partilha. No entanto, mais do que qualquer dificuldade, queremos continuar a responder ao desafio da transição digital e aprender algo com estes tempos singulares que estamos a viver.

M.B.I – Quais os apoios disponíveis aos produtores de queijo da região nesta altura tão diferente?

C.A – A autarquia centra o seu apoio em três eixos: produção, escoamento e valorização. Na ajuda à produção do queijo genuíno, temos colocado à disposição dos produtores técnicos e suportamos todos os custos da implementação do HACCP nas queijarias (processo controlo e certificação).
No escoamento do queijo, temos desempenhado um papel decisivo através do Solar do Queijo Serra da Estrela, edifício brasonado do Séc. XVIII, espaço museológico de excelência e de passagem obrigatória para quem nos visita. Mais recentemente em 2019, o Solar sofreu obras de remodelação tornando-se mais interativo. E este ano, através da plataforma de venda online de queijo – celoricocomgosto.pt – que terá a sua logística assente na experiência do Solar do Queijo. Consideramos que, a aposta firme na progressiva modernização e sustentabilidade financeira da Feira do Queijo tradicional é a forma mais eficiente de valorização deste produto de excelência e de homenagem aos produtores/pastores que merecem todo o nossos emprenho.

M.B.I – O município tem algum apoio do Estado para disponibilizar aos produtores?

C.A Estamos a trabalhar nesse sentido, ou seja, verificar como pode o Município fazer mais. Neste momento assumimos com os nossos recursos todos os apoios possíveis, também somos “estado próximo”. Esta Feira do Queijo online reaproximou-nos dos produtores, e pudemos ouvir o seu lado e as dificuldades atuais. A Câmara de Celorico desde sempre apostou no apoio à certificação, escoamento e valorização do queijo; porém há muito a fazer ainda.

M.B.I – Sendo este um ano atípico, com uma Feira a realizar-se online, qual será, na sua opinião, o impacto da Feira do Queijo de 2021 a nível de receitas dos produtores?

C.A – O impacto só pode ser positivo. Soubemos transformar uma dificuldade numa oportunidade para valorizar, escoar e divulgar o queijo num universo sem fronteiras físicas. Congratulo-me com o esforço dos concelhos vizinhos, da CIMBSE, dêmos resposta às emergências contemporâneas, mas, temos de aprender algo substancial para o futuro. Os produtores sabem gerir as suas receitas e as suas produções em tempos difíceis, é gente resiliente e trabalhadora. Muitos contam com clientes habituais que desde há muito vêm recolher a sua produção às portas das suas queijarias. Este ano voltamos a desafiar a restauração a divulgar a boa gastronomia local baseada nos produtos endógenos, como estratégia de divulgação da “boa mesa” beirã.
A nossa preocupação com a Feira do Queijo, quer no seu formato físico quer agora online, é que esta seja uma plataforma de valorização do produto, para que o mesmo seja vendido a preços mais dignos para os próprios produtores. Assim, estou convencido que as expectativas dos produtores serão superadas, uma vez que, as vendas online estão a ser um êxito.

M.B.I – Concorda com o modelo de certificação das queijarias? Quantas queijarias existem no concelho e quantas delas são certificadas?

C.A – No concelho existem cerca de 20 queijarias artesanais. Muitas delas foram adaptadas há cerca de duas décadas por conta das normas e especificações que foram saindo do processo de reconhecimento da Denominação de Origem Protegida. Portanto, a maioria respeita essas especificações, estando certificadas para o efeito; até porque nessa altura muitos dos rebanhos ainda eram constituídos por ovinos Serra da Estrela, e muitos dos produtores optaram pela certificação DOP Serra da Estrela. Essa realidade mudou, porque, infelizmente, não conseguimos a valorização do produto artesanal. O que significa que o investimento na certificação não se justificou para a maior parte dos produtores que optou pela introdução de outras raças para fazer face às despesas através de um incremento da produção, perdendo assim a certificação DOP do produto. Estamos a analisar um processo histórico que já se iniciou há algumas décadas e que já esteve mais longe de terminar. Existem muito poucos jovens produtores, e estes investem dentro de um quadro de certificação que pode não ser o modelo mais bem conseguido. Se olharmos para fora de Portugal, para países vizinhos com tradições nesta área de produção agro-pastoril, verificamos que muito deste processo de valorização do produto e do trabalho artesanal está associado à capitalização do património cultural associado a este tipo de produções. Esse é um longo caminho a percorrer, que poderá ditar o futuro a longo prazo desta atividade.

M.B.I – A atual região demarcada, de origem queijo da Serra da Estrela, é extensa pois é composta por 18 concelhos. Sendo contestada por alguns, qual a sua opinião sobre este assunto?

C.A – A sua questão é sobre genuinidade do Queijo Serra da Estrela e o seu necessário processo de certificação. A certificação faz isso mesmo, garante o genuíno subsista.
O queijo SE é produzido apenas com leite de ovelhas de raça Bordaleira da Serra da Estrela ou Churra Mondegueira, alimentadas exclusivamente em pastagens da região demarcada da Serra da Estrela. A este leite único é adicionada a flor do cardo e sal, para que coalhe. A coalhada é depois dessorada e transformada em queijo pelas mãos das queijeiras. Fica alguma dúvida sobre o genuíno queijo SE?
Todo o território que produzir e certificar o queijo com esta alma verdadeira representa a área protegida: Leite cru, flor do cardo, sal, sabedoria e nada mais. Este ano prevemos em Celorico a produção de 10.640 Un. Queijo DOP.
É natural que a Serra da Estrela seja um composto territorial extenso, como é a sua área geográfica. Estes 18 concelhos têm especificidades territoriais, que só sairão verdadeiramente valorizados no seu conjunto.
Celorico, por exemplo, é o único concelho em que o Mondego faz a curva para o mar, estendendo-se o seu conjunto de freguesias pela beira serra e pela beira rio, conquistando por isso características únicas, até para a produção das pastagens que ditam a riqueza sensorial do queijo aqui produzido. Outros concelhos têm outras características que são reconhecidas; mas o que vale é o todo, é essa riqueza que temos que ensinar o consumidor local, nacional e global a valorizar e saborear.

M.B.I – No início as Feiras do Queijo tinham como principal função a divulgação do queijo da Serra. Hoje qual é a sua finalidade?

C.A – Ainda hoje a divulgação do Queijo é finalidade das Feiras. Esta Feira do Queijo de Celorico em formato online procurou ir um pouco mais além, principalmente no que diz respeito à informação prestada ao consumidor. Quer o Queijo DOP Serra da Estrela, quer o Queijo de Ovelha Curado, ambos são Queijos da Serra que sempre foram divulgados como património celoricense.
Com a nossa Feira online procurámos que o consumidor pudesse saber mais sobre este modo de vida secular: sobre os produtores, sobre a certificação animal, sobre a certificação do Queijo, sobre as diversas formas de consumir, sobre a especificidade territorial adjacente ao produto…uma narração que valorizou os rostos, as rugas, a serrania, a resiliência e o engenho humano. No final, é o consumidor que decide inspirar-se no que é 100% natural. Vemos este processo como o início de uma caminhada de valorização dos nossos produtos endógenos, que é, também, uma aprendizagem. A Feira do Queijo é o nosso maior evento anual, aporta a nossa identidade, o património, a cultura, a gastronomia, os sabores e toda a mestria e arte destas gentes simples e laboriosas que desde sempre souberam retirar da serra o seu sustento.
Saibamos nós estar à altura destes exemplos de vida.