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Diretor: Paulo Menano

Desafios da Era Digital do Século XXI: Resistindo à Submissão Voluntária


“A servidão voluntária é a forma mais insidiosa de escravidão, pois é alimentada pela ilusão de liberdade.” – Erich Fromm1

“A verdadeira liberdade é estar livre da opinião alheia.”
Friedrich Nietzsche

No presente século XXI, tempos de um suposto admirável mundo, o desafio da servidão voluntária continua a assombrar a humanidade, revelando-se em diversas formas e contextos. Embora tenhamos progredido em muitos aspectos, os segredos por trás do poder e da submissão permanecem intrincados e desafiadores. É essencial explorar essas questões à luz das transformações sociais, políticas e tecnológicas que caracterizam a nossa era atual.

A expansão dos meios de comunicação e a ascensão das redes sociais e da era digital trouxe consigo um novo paradigma de poder e controlo. As plataformas de comunicação on-line e os algoritmos de alta complexidade foram projetados para exercerem influencia nas nossas opiniões, moldar as nossas escolhas e influenciar/manipular o nosso comportamento. Por trás dessas estruturas tecnológicas, escondem-se indivíduos e organizações que exercem um poder invisível sobre as massas, aproveitando-se da nossa vulnerabilidade, conformidade e tolerância voluntária.

Os nossos desejos e apetites ainda são alvo de exploração, tal como foram questionados, refletidos e debatidos por La Boétie2 no século XVI. Entretanto, atualmente, eles são alimentados por uma fonte de dados, estímulos e entretenimento. A necessidade de atenção e validação social leva-nos a querer agradar aos outros, muitas vezes em detrimento da nossa autonomia e senso crítico. Somos levados a crer que a nossa felicidade está diretamente ligada à aceitação virtual, permitindo que outros controlem a nossa autoestima e identidade.

Além disso, as estruturas de poder tradicionais continuam a moldar a nossa sociedade atual. Os líderes políticos e empresariais exercem a sua influência com discursos persuasivos e estratégias de manipulação.3 Em diversas ocasiões a democracia é questionada e a voz das massas é subjugada pelos interesses de poucos. A servidão voluntária permanece quando nos submetemos a essas estruturas de poder abdicando da nossa responsabilidade de questionar e resistir.

O medo também continua a ser uma ferramenta poderosa de controlo no século XXI. O terrorismo, as crises económicas e as ameaças globais são explorados para justificar medidas de segurança e restrição de liberdades. Na nossa busca por proteção, muitas vezes, estamos dispostos a ceder os nossos direitos e privacidade, sem questionar as implicações a longo prazo. A servidão voluntária surge quando nos acostumamos à vigilância constante e nos submetemos à autoridade em nome da segurança.

No entanto, apesar desses desafios, a era digital também oferece oportunidades de empoderamento e resistência. A disseminação rápida de informações e a conectividade global permitem que as vozes dissidentes sejam ouvidas, desafiando narrativas dominantes e construindo movimentos de mudança. As redes sociais também podem ser usadas como ferramentas de consciencialização e mobilização, capacitando indivíduos a levantarem-se contra a submissão voluntária e a lutar pela justiça e igualdade de direitos.

Diante dos enigmas do poder e da submissão no século XXI, é essencial questionar e desafiar o status quo. Precisamos de desenvolver um senso crítico e afiado, estarmos atentos às táticas de manipulação e reconhecer a nossa capacidade de resistência. Somente assim poderemos romper com a servidão voluntária e edificar uma sociedade fundamentada nos princípios inabaláveis de liberdade e justiça.

Carlos M. B. Geraldes, PhD

1 A citação é atribuída a Erich Fromm, psicólogo e filósofo social. No entanto, esta frase não pertence a um livro específico de sua autoria, mas é uma ideia amplamente associada a ele. Fromm explorou temas como a liberdade, alienação e os desafios psicológicos e sociais enfrentados pelas pessoas na sociedade moderna. Alguns dos seus livros mais conhecidos incluem “O Medo à Liberdade” e “A Arte de Amar”, nos quais aborda questões relacionadas com a liberdade, a autonomia e relações interpessoais.

2 de La Boétie, Estienne, Discurso Sobre A Servidão Voluntária, 2ª edição, Edições Antígona , Lisboa, 1997

3 Gustave Le Bom, A Psicologia das Massas, Edições Alma dos Livros, 2023; Douglas Murray, A Insanidade das Massas, Editora: Desassossego, 2020.