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Opinando: “#A barbárie “online”, a mentira, o ressentimento, a perseguição impiedosa dos “feed” que nos alimentam como …”, de Carlos M. B. Geraldes
#A barbárie “online”, a mentira, o ressentimento, a perseguição impiedosa dos “feed” que nos alimentam como …
Há muito tempo teria escrito: «como eu vivo num mundo sem saber o que é a web/internet!». Entretanto, muitas coisas mudaram, mas não a vulgaridade que nela grassa não!
Reparou que o mundo mudou desde a “invenção” da internet? Será que consegue separar a realidade física da realidade digital? Já notou na maldade, na cobardia, inveja e insanidade que por lá é defecada? Será que consegue separar a realidade física da realidade digital?
Estas interrogações, entre outras, remetem-nos para um novo reconfigurar do mundo, e de uma perspetiva de ser humano que assenta a sua vontade de agir nas costas de um véu energético chamado Enter: lugar que impele o desejo do internauta para satisfazer o organismo e espoletar mecanismos psicológicos e sociais que fazem surtir um efeito nefasto de uma boa cidadania.
Um novo paradigma de ação emergiu, apesar do padrão de comportamento ser o mesmo, é como uma teoria, mas um bocadinho diferente dado ter deslocado o agir: o imbecil do bípede passou a querer ser digital e a não olhar para as passadeiras!
De facto, é como se não houvesse um amanhã! Uma teoria que o senso comum testa, prova, apoia, não refuta e que até desafia à reflexão. Isto é, um conjunto de pressuposições implícitas que podem ser testadas porque, na realidade, são essencialmente inconscientes e fazem parte do nosso modus operandi enquanto indivíduos na sociedade.
Até se fica com a sensação que cada pessoa está sempre a experimentar um estado de permanente perturbação mental, agitando uma vontade em constante crise na vida e acostumada a negligenciá-la como algo negativo, defecando no oneline sem a astúcia para aproveitar este novo reconfigurar como uma base de toda mudança e progresso: aprender mais sobre nós mesmos para o exercício de uma boa e humana cidadania!
Não obstante o referido, as pessoas continuam a mudar as suas vidas materialmente, mas insistem em continuar a não aproveitarem para ganhar novas experiências e conhecimentos.
Transmitem a sensação de que se encontram retidas algures no desenvolvimento. Algumas pessoas, no entanto, até se recusam a evoluir, enquanto outras procuram forçar uma ideia de que se encontram numa idade biológica estacionada no tempo. É neste ambiente que as pessoas se relacionam, crescem e destravam todos os processos mentais: ilusões, inveja, raiva, o mal-estar, a libido, narcisismo, vaidade e acima de tudo a sua dimensão maléfica.
Deste modo, estamos assim perante uma dupla perversão que importa salientar: em primeiro lugar, existe uma corrupção na ordem dos objectivos em que os seres humanos se encontram dispostos na natureza do digital, e em segundo lugar, o ser humano está desumanamente disposto segundo a ordem dos objectos e não segundo uma verdadeira ordem de valores mais dignos com o ser-se humano. Aliás, Byung-Chul Han, na sua obra Não-Coisas, alerta-nos para o facto de «hoje encontramo-nos na transição da era das coisas para a era das não-coisas. Não são as coisas, mas as informações que determinam o mundo em que vivemos.» É como se este novo Homo digitalis abandonasse a sua verdadeira natureza e, por esta razão, começou por dar início ao seu desprezo, condenando-se a si mesmo, reduzindo a vida a uma de ladainha oca, onde o seu destino é socialmente uma impostura, cuja criação como libertação foi substituída por uma recriação assente numa servidão voluntária.
Aquilo que o ser humano pensa ser a sua fortaleza é a sua fraqueza, ou antes, não uma fraqueza inerente à sua verdadeira natureza, mas sim a que foi escolhida e configurada por si de forma desnaturada, onde a faculdade de (re) criar um mundo como um fim em si mesmo, desapareceu sob o patrocínio de um egoísmo violento de querer exercer uma intencionalidade refugiada num corpo/baú de bits que se exterioriza sob a intensidade malignamente subtil.
Em favor desta posição, temos uma perseguição impiedosa de feeds que para além de já terem colonizado os humanos – servidão voluntária, exigindo-lhe uma permanente reciprocidade, amputando-lhe o poder para pensar, recondicionando o seu agir – também o transformou num puro imbecil em nome de um desejo que se funda na ordem das coisas e no sacrifício da sua ilusão natural por uma nova ( re)ilusão da vida.
Afinal o que é que o cérebro come? Como alimentar este humano em 12 passos para o calvário? É o triunfo dos feeds ou à alimentação do animal ?
Dizendo de outra forma, substitui-se a sua verdadeira natureza por uma ilusão de vida, que consiste em ser recolocado num reino que o apropria como digitalis, onde tudo se reduz ao controlo e gestão da energia das suas emoções e sentimentos (amor, ódio, violência, felicidade, angústia) incutindo-lhe uma concorrência selvagem e uma vida de sucesso que tem como mandamento primeiro: reduzir toda a nossa ação à servidão voluntária.
O esperto do bípede deixou-se, mais uma vez, apanhar! Auto-tiranizou-se e tiranizou a sua própria natureza, ao incutir numa realidade ilusória tudo o que lhe faz mal: o sucesso como fim e o aparecer como se fosse o último fotograma impresso na cinematografia do circo humano.
É desprezo por uma natureza mais saudável e inteligente, a troco de um desejo insaciável de fruir os benefícios de uma realidade construída e assente no barro. É o progresso humano que se mostra numa natureza transformada de modo violento pelas interpretações egocêntricas por parte de quem exerce ação digitalis sob uma vontade maléfica que se manifesta em chamar-se justa. Como nos diz Montaigne, Os Ensaios – Dos Mentirosos, Livro 1, Cap. IX, p.51; «Na verdade, a mentira é um vício maldito.»
De acordo com o atrás dito, somos induzidos a inferir da existência humana que esta se auto-corrompeu logo na sua origem e que neste ato consubstanciou-se um comportamento, que foi assumindo por intermédio do hábito, contornos de violência, aparentemente, inocente.
Por consequência, esta suposta promiscuidade Poder versus Violência torna-se tão híbrida que quando somos atingidos pela proximidade do Poder e da violência, esta acaba por exprimir uma certa forma de poder que se exterioriza por uma lei ilusória que assenta nos apetites da vontade de poucos e consentida pela vontade de muitos!
É o nascimento de uma violência que deixou de ser carne para se projetar como digitalis. O mal é uma projecção do homem, ou seja, um “nó górdio ” que o ser humano terá que um dia quebrar.
Isto é, o ser humano, em a Servidão Digitalis, é-nos apresentado num estado de morticínio, quer através dos massacres que muitas vezes terminam em lentos genocídios de prazer, ou então, através de uma violência de números incorporados na figura do nome de um tirano que, por sua vez, se tornam extensivos aos seres que constituem o nome do povo que dá vida à violência que «passou de visível a invisível, de direta a mediada, de real a virtual, de física a psíquica, de negativa a positiva.»
A criatura débil do bípede deixou-se infestar de doenças como a avidez, a soberba, a perversão, o esquecimento do outro e com a elevação do mal persecutória como mandamento.
Nesta perspectiva, somos auto violentos e monstruosos face à nossa condição digitalis, ou seja, transformamo-nos em seres repugnantes porque como nos diz Platão, República, Livro III, 391e «é impossível que o mal venha dos deuses» quando nos relegam para o esquecimento do nosso propósito.
Carlos Manuel Bernardino Geraldes (PhD)