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Diretor: Paulo Menano

Opinando: “A Tirania na Política: De Aristóteles à Nova Ordem de Donald Trump”


Revisão do Artigo Publicado em Julho de 2002: O Tirano

“O tirano tem que se apresentar com um semblante não severo, mas majestoso, de forma a incutir respeito, em vez de temor, nos que com ele contactam.”
— Aristóteles, Política, 1314 b – 15, p. 425

Publicado originalmente em julho de 2002, MaisBeiras sapo.pt, este artigo refletia sobre a natureza da tirania e a sua manifestação na política, com base nas ideias de Aristóteles e de Étienne La Boétie. Duas décadas depois, a ascensão de figuras como Donald Trump e a consolidação de regimes autoritários, como o de Vladimir Putin na Rússia, reacendem a relevância dessa discussão. A nova ordem política global, marcada por populismos e polarizações, obriga-nos a revisitar as lições dos filósofos clássicos e a questionar: quem faz a política, e como é que a tirania se reinventa no século XXI?

Quem Faz a Política?

Aristóteles (384 a.C. — 322 a.C.), ao analisar cerca de 150 constituições do seu tempo, concluiu que as sociedades se organizam em regimes políticos classificados pelo número de governantes. Quando o poder está nas mãos de um só homem, que governa segundo a tradição e os costumes, temos uma monarquia. Se o poder é exercido pelos melhores cidadãos (aristós), temos uma aristocracia. E se o poder é de todos (demos), temos uma Politéia (ou república). No entanto, esses regimes tendem a degenerar: a monarquia transforma-se em tirania, a aristocracia em oligarquia, e a Politéia em democracia degenerada, onde a multidão persegue os ricos e os opositores.

Esta análise aristotélica permite-nos refletir sobre a política contemporânea. A Rússia de Vladimir Putin, por exemplo, encarna uma tirania moderna, em que o poder é exercido de forma discricionária, sustentado por uma máquina de propaganda e repressão. Já a ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos trouxe à tona a fragilidade das democracias perante líderes que governam por capricho e divisão, em vez de princípios e unidade.

A Tirania e a Servidão Voluntária.

Étienne La Boétie, no seu Discurso Sobre a Servidão Voluntária, afirma que “o tirano fisicamente é igual aos restantes seres humanos.” Esta igualdade biológica revela uma verdade perturbadora: o poder do tirano depende da submissão voluntária do povo. La Boétie sugere que a tirania só persiste porque os súbditos aceitam ser dominados, seja por medo, comodismo ou esperança de benefícios. No contexto moderno, vemos esta dinâmica na relação entre líderes populistas e as suas bases. Donald Trump, por exemplo, construiu o seu poder não apenas através de políticas, mas de uma retórica que alimenta divisões e promete soluções simples para problemas complexos. Os seus seguidores, muitas vezes, abdicam de questionar as suas ações em troca de uma sensação de pertença e de revanche contra elites supostamente corruptas. A Nova Ordem Política com Donald Trump A eleição de Donald Trump em 2016 marcou uma viragem na política global. A sua abordagem disruptiva, caracterizada por ataques à imprensa, desprezo pelas instituições e apelo direto às emoções das massas, ecoa a descrição de Aristóteles sobre o tirano que governa por capricho. Trump não apenas desafiou as normas democráticas, como também normalizou comportamentos autoritários, como a deslegitimação de eleições e o uso de retórica divisiva. Aqui, a observação de La Boétie sobre os aduladores do tirano ganha nova relevância. Trump rodeou-se de figuras leais, dispostas a defender as suas ações, independentemente do seu impacto no bem comum. Esta dinâmica é exemplificada por figuras como Sergey Lavrov na Rússia, cuja lealdade a Putin sustenta um regime que manipula a realidade e silencia dissidências.

A Tirania das Imagens.

No século XXI, a tirania não se limita ao controlo físico ou político; estende-se ao domínio das imagens e narrativas. Líderes como Trump e Putin utilizam os media e as redes sociais para criar realidades alternativas, em que os factos são substituídos por ficções convenientes. Esta “tirania das imagens” é particularmente eficaz em sociedades polarizadas, onde a verdade é relativizada e o debate público é substituído por confrontos ideológicos.

Quem Deve Fazer a Política?

Segundo Aristóteles, “não todos, mas somente os homens absolutamente justos” devem governar. A vontade humana, quando orientada para o bem, pode promover diferenciação, igualdade, bondade e fraternidade. No entanto, quando corrompida pelo desejo de poder, transforma-se em tirania, onde a desconfiança e o egoísmo prevalecem.

A nova ordem política global desafia-nos a refletir sobre o papel da cidadania. Num mundo em que líderes autoritários manipulam as massas e aduladores sustentam regimes corruptos, cabe a cada indivíduo questionar e resistir à servidão voluntária. A democracia, como nos lembra Aristóteles, é frágil e exige vigilância constante.

Em suma, a tirania, seja na antiguidade ou no século XXI, é um fenómeno que depende tanto da ambição dos líderes como da complacência dos governados. A ascensão de Donald Trump e a persistência de regimes autoritários como o de Vladimir Putin lembram-nos que a luta pela liberdade e pela justiça é eterna. Como escreveu La Boétie, “a liberdade é natural; a servidão, não.” Cabe a nós, como cidadãos, garantir que a política seja feita não por tiranos, mas por homens e mulheres justos, conscientes e convictamente comprometidos com o bem comum.

Referências Bibliográficas:

– Aristóteles. Política.  edição 1.ª, trad. António Amaral e Carlos Gomes, Col. Veja Universidade/ Ciências Sociais e Políticas, Lisboa, 1998

– La Boétie, E., Le Discours de la Servitude Volontaire, texte établi par Pierre Léonard; suivi de La Boétie et la question du politique / textes de Félicité de Lamennais, Pierre Leroux, Auguste Vermorel… [et al.]. – [Nouv. éd.]. – Paris: Payot, 2002 (Petite bibliothèque Payot; 134).

—–, Discurso Sobre A Servidão Voluntária, 2ª edição, Edições Antígona, Lisboa, 1997.

– Carlos Manuel Bernardino Geraldes (Ph.D.). Artigo original publicado em julho de 2002, https://maisbeiras.sapo.pt/opinando-o-tirano-de-carlos-m-b-geraldes