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Diretor: Paulo Menano

Opinando: “E Depois?”, de Pedro Pereira


E depois?

Muito faltará ainda por descobrir nos anos e décadas vindouros sobre o impacte da suspensão da atividade programada não-emergente que ocorreu desde o início do primeiro confinamento contra a disseminação do SARS-Cov2. Do pouco que já conseguimos ver, temos um longo inverno pós-pandémico pela frente, por mais que algumas Alices continuem a acreditar que vivemos num País das Maravilhas.

A cidade e o concelho de Viseu foram das regiões mais afetadas do interior com o impacto da disseminação do SARS-Cov2 e com a sobrecarga que os internamentos por Covid19 causaram no sistema de saúde. Enquanto o Governo da República, o Partido Socialista local e nacional e a esquerda política local e nacional travaram lutas contra inimigos imaginários nos setores privado e social de prestação de cuidados de saúde ou nas farmácias comunitárias— quais Dom Quixotes contra moinhos de vento — os liberais nacionais e locais pediam a integração total da capacidade instalada.

A insistência ideológica na pureza dum Serviço Nacional de Saúde estatal e na perpetuação da segregação entre os que podem pagar melhores serviços e os que vivem à mercê do que o Estado se lhes permite oferecer resultou numa paragem história na atividade programada de consultas hospitalares e em cuidados de saúde primários e um congelamento de cirurgias não-emergentes durante meses.

O preço do cancelamento de programas de rastreio oncológico começou a ser pago por utentes com o diagnóstico recente de carcinomas da mama em estadio mais avançado que o habitual pré-pandémico ou com o aumento dos diagnósticos de neoplasias gastrointestinais em estadio não-inicial em ambiente hospitalar, e a conta final só poderá ser avaliada dentro de 15 ou 20 anos, quando as ações de negligência na gestão do sistema de saúde e as consequências da falta de investimento por governos do Partido Social Democrata e, principalmente, do Partido Socialista com a ajuda da esquerda parlamentar, autointitulada como anti-austeritária, na saúde pública.

O preço do cancelamento de consultas regulares nos cuidados de saúde primários paga-se com a descompensação de doenças crónicas, como a hipertensão, diabetes ou insuficiência cardíaca, encharcando os serviços de urgência e enfermarias hospitalares e com o agravamento do acesso a cuidados de saúde por parte de populações infoexcluídas, de estratos económicos mais baixos ou contextos sociais menos favoráveis.

O preço do cancelamento de consultas hospitalares paga-se também pelo aumento grave dos tempos de espera que ocorreram durante todo o ano de 2020 e o primeiro semestre de 2021. Ainda que sabendo que no CHTV se tem feito um esforço hercúleo de tentativa de recuperação dos tempos de espera, com menos 40% de utentes em lista de espera para consulta hospitalar há mais de 12 meses com comparação com igual período de 2020,de pouco vale comparar com um ano que deixou pelo país fora mais de 1 200 000 consultas por realizar nos hospitais do SNS. Mais exemplos são os ainda 1455 dias (quase 4 anos!) para uma consulta normal de Ortopedia ou 400 dias para uma consulta normal de Cirurgia Geral.

O preço do cancelamento das cirurgias programadas paga-se com os mais de 100 dias que os doentes em lista para cirurgia oftalmológica ainda aguardam no CHTV e o nível ainda longe dos valores pré-pandémicos de atividade dos blocos operatórios nos dois hospitais que o integram.

O muito que tem sido possível recuperar ao longo deste ano tem-no sido à custa da dedicação e compromisso dos profissionais de saúde e técnicos auxiliares, tantas vezes à custa da realização pessoal, familiar e social e da sua saúde física e mental. Se nos corredores do CHTV se replicar aquele que é um sentimento comum nos trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde, a maioria está exausta, desmotivada pela falta de vencimento digno para o quanto da vida familiar e social têm que abdicar, pelas horas extraordinárias intermináveis e pela cada vez maior sangria de recursos humanos para os restantes setores da saúde ou — cada vez mais — para fora do país, numa recriação do êxodo nacional durante o Estado novo, desta vez com quadros altamente qualificados.

Também na incontornável temática do Centro Oncológico (CO), a tutela não tem sabido responder às exigências do momento — que se arrastam há mais de 2 décadas — e aos anseios de cidadãos e utentes de Viseu e da região.

Depois de prometida em dezembro a apresentação do plano completo até finais de junho, só por pressão diária da Iniciativa Liberal Viseu se deu a revelação do que não passa dum render de design gráfico, sem qualquer estrutura de organização de serviço, sem programa de prestação de serviços, sem projeto de arquitetura, sem submissão a fundos comunitários. Um fogo de vista entregue, de forma nada insuspeita, em primeira mão ao candidato do Partido Socialista à Câmara Municipal de Viseu dias antes de ser dado conhecimento geral aos viseenses.

Sabemos hoje que, na melhor das hipóteses, a primeira pedra estará lançada apenas em 2022, com conclusão em final de 2023. João Azevedo traz a si um projeto inexistente que, nos anos em que esteve na Assembleia da República tenha sido autor de nenhuma iniciativa nesse sentido, sem que se conste na sua página de atividade parlamentar nada mais que uma única referência breve a Viseu, ao CHTV e ao Centro Oncológico de Viseu no debate parlamentar de 4 de maio de 2021 (bem depois da sua apresentação como candidato à CMV), tendo inclusivamente o seu partido votado contra a construção do CO-CHTV na Comissão Parlamentar de Saúde.

Um dia esgotar-se-ão as estatísticas marteladas, as demagogias baseadas numa realidade alternativa e a conivência geral com a degradação das
condições do Sistema de Saúde. E depois?