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Diretor: Paulo Menano

Opinando: “Pasmados e, no entanto, a arrastadeira Europa move-se!” de Carlos M. B. Geraldes


«Reduzimos a vida a esta insignificância… Construímos ao lado outra vida falsa, que acabou por nos dominar. Toda a gente fala do céu, mas quantos passaram no mundo sem ter olhado o céu na sua profunda, temerosa realidade?»

Raúl G. Brandão, Humus, Book Cover Editora, 2020

Os pasmados não têm esperança, não sentem, não refletem, não têm consciência das suas capacidades e não rezam.

Os pasmados são seres impressionantes dado se terem transformado em dispensáveis mentalmente mas úteis para a produção, arcaicos, sem escrutínio crítico construtivo e , o mais grave, sem saberem qual o seu lugar no mundo dado a profunda inaptidão que apresentam, culpa própria, de compreender a realidade.

Os pasmados estão atolados até ao tutano e com o “ Covid-19” e os movimentos de hostilidade dos eslavos a leste – declarando guerra a quem contrariar a maleficência do tirano – ainda mais se incapacitou incapaz em processar/analisar os dados que a experiência oferece à condição humana.

Tudo é digital para os pasmados: não precisam de pensar e nem de alargar a sua compreensão sobre a sua realidade física.

Os pasmados estão viciados no algoritmo, e, de repente, esqueceram-se que a arrastadeira se moveu, que a sua significância foi alterada, a responsabilidade de ser começou a emergir, a viragem da condição humana está aí e para quem não faz o bom uso da razão a arrastadeira deixará de receber os excrementos que caraterizam os pasmados…

O contraditório da realidade impôs-se. A premissa é a seguinte: ou a humanidade melhora a sua condição ou a piora.

O mover da arrastadeira é factual, os pasmados têm que desenvolver uma nova compreensão da realidade, definir o seu lugar no mundo e a sua relação com ele. Aliás, combater a pequenez, pôr fim às manias sem cor, e que se exemplifica em Raul G. Brandão, Húmus, «A vida é fictícia, as palavras perdem a realidade. E no entanto esta vida fictícia é a única que podemos suportar. Estamos aqui como peixes num aquário. E sentindo que há outra vida ao nosso lado, vamos até à cova sem dar por ela. Estamos aqui a matar o tempo.»

É desconcertante? Sim, é. Mas qual o espanto?
Não será a própria vida uma exigência constante de profundas revisões das nossas experiências, de reconfigurações mais apropriadas à sofisticação da consciência? É preciso fornecer outros conteúdos à arrastadeira e não já os viciados, é preciso colocar limites à diminuição do papel dos indivíduos na experimentação e interpretação da realidade.

O desafio é passar de pasmado a indivíduo, a “ eu indelegável”, aumentando o seu lugar e retira-se-lhe a arrastadeira. Há que combater os impulsos contraditórios, acabar com a angústia de ter medo de ser um humano bem-aventurado de facto.

O reencantamento da vida tem que ser o seu destino. A elaboração de uma ética alicerçada na ontocracia tem que ser a sua nova viagem no tempo. Nem que para isso se tenha que recorrer a quem nesta enorme feira de vulgaridade ousou pensar sem medo como Confúcio, Platão, Aristóteles, Diógenes, Epicuro, Apolónio de Tiana, Lucrécio, movimentos gnósticos, Santo Agostinho, Al-Farabi, Maimónides, Místicos da Renânia, Marsílio Ficino, La Boétie, Santa teresa de Ávila, S. João da Cruz, Kant, Hegel, Thomas Paine, Alexis de Tocqueville, Schopenhauer, F. Nietzsche, Fernando Pessoa, Hannah Arendt, Mohandas Gandhi, Camus.

Friedrich Hayek e tantos outros seres de exceção que nos privilegiaram com um abrir de portais de vida que não só nos conduzem para fora do mundo da arrastadeira mas também como Miguel Torga afirmou, in Diário, (1982), nos permitem «Apesar da idade, não me acostumar à vida. Vivê-la até ao derradeiro suspiro de credo na boca. Sempre pela primeira vez, com a mesma apetência, o mesmo espanto, a mesma aflição. Não consentir que ela se banalize nos sentidos e no entendimento. Esquecer em cada poente o do dia anterior. Saborear os frutos do quotidiano sem ter o gosto deles na memória. Nascer todas as manhãs.»

Carlos M. B. Geraldes (Ph.D.)