
OPINANDO:A INTERIORIDADE ESTÁ EM NÓS ?
O conceito de “interioridade” em Portugal sempre me inquietou. Num país com pouco mais de 200 km de largura, como é possível que ainda se fale em “interior” e “litoral” como se fossem mundos e realidades diferentes? A verdade é que a Guarda está em linha reta, a 130 km do mar, o que, em muitos países, não significaria qualquer tipo de isolamento ou menor desenvolvimento. No entanto, em Portugal, a realidade é bem diferente.
A questão não está na geografia, mas sim nas políticas – ou melhor, na falta delas. É importante percebermos que isto é um problema político. Décadas de abandono por parte dos sucessivos governos deixaram vastas regiões do país sem perspetivas de crescimento, sem incentivos à fixação de pessoas e empresas, sem infraestruturas adequadas. O resultado? População envelhecida, ausência de serviços essenciais e a constante necessidade de migração para os grandes centros urbanos, onde as oportunidades parecem concentrar-se.
Enquanto continuarmos a aceitar o termo “interioridade” como um destino inevitável, estaremos a perpetuar a ideia de que há territórios de primeira e territórios de segunda. O problema não é estarmos longe das principais cidades – o problema é estarmos longe das prioridades políticas.
A desproporção na representação política é outro reflexo deste abandono. O distrito da Guarda, por exemplo, elege apenas três deputados, uma diferença enorme comparativamente com os grandes círculos eleitorais, onde a concentração populacional dita um peso político muito maior. Isto cria uma enorme desigualdade na representatividade e perpetua a marginalização destes territórios.
É urgente mudar a lei eleitoral e implementar círculos uninominais com círculo de compensação, uma medida defendida pela Iniciativa Liberal, mas que não tem encontrado apoio nos partidos tradicionais. A verdade é que a maioria dos partidos políticos não está realmente interessada em alterar este sistema, pois tal mudança iria contra os interesses instalados e a manutenção do seu poder. Mas sem esta reforma, continuaremos a ver regiões inteiras sub-representadas e sem voz nas grandes decisões do país. A pergunta que se coloca é: até quando vamos permitir isto?
É urgente uma visão diferente para estes territórios. Precisamos de medidas concretas que tragam mais investimento, melhores acessibilidades, incentivos reais para fixar empresas e profissionais qualificados. Precisamos de um Estado que olhe para estas regiões como parte do seu todo, e não como um apêndice distante e desvalorizado.
A interioridade está em nós? Não. Está na mentalidade e nas decisões políticas que insistem em perpetuar este conceito. Está na falta de coragem para inverter o rumo e colocar estas regiões no centro da agenda. Está na incapacidade de perceber que um país equilibrado e coeso não se constrói apenas com grandes investimentos nas áreas metropolitanas.
Está na altura de mudar. Está na altura de dizer basta a este abandono. Portugal não tem um “interior” – tem um território que precisa de ser tratado com igualdade e respeito.
Está na altura de agir!
Rui Abreu