Opinando: “A mão, o dedo ditador e o smartphone”, de Carlos M. B. Geraldes
A mão, o dedo ditador e o smartphone
«Na ponta dos dedos
batem as palavras sísmicas.
E a testa abre-se profusamente
à força do nome.
Só aquele que escreve infunde o prodígio,
respira ao cimo com a luz nos pulmões,
Atravessa como se florisse nos abismos.»
Jorge Melícias, in A Luz nos Pulmões
A mão humana é de estrutura admirável, do ponto de vista da engenharia e da evolução. Ela é forte o suficiente para permitir conseguir mover montanhas, mas também precisa o suficiente para a manipulação de alguns dos menores objetos do mundo, e para realizar tarefas complexas.
Segundo a anatomia humana – ciência que estuda o corpo humano- a mão em si consiste de ossos específicos sobre os quais vários músculos se inserem, e uma coleção de estruturas neurovasculares responsáveis pela drenagem e inervação. Entretanto, os músculos intrínsecos da mão são responsáveis somente por parte de toda a sua amplitude de movimento. Os outros principais contribuintes são os músculos do antebraço, que projetam tendões em direção à mão através de uma estrutura igualmente complexa e flexível, chamada de punho.
Para uma melhor compreensão da anatomia da mão e da sua pegada firme na terra, é bom saber que ela possui músculos, nervos, artérias, veias, punho e ossos que podem ser divididos em três grupos distintos: ossos do carpo, ossos do metacarpo e catorze falanges, correspondentes aos dedos polegar, indicador, médio, anelar auricular. Isto é, cada dedo apresenta três falanges, o polegar tem apenas duas falanges, e podem ser classificadas em: falanges proximais, localizadas na base do dedo; falanges médias: entre as falanges proximais e as distais. Não existe no dedo polegar falanges distais: localizadas nas pontas dos dedos.
Ora como diz a expressão popular: “uma mão leva à outra”, “ são à mão cheia”, “estão lá à mão de semear”, de onde ninguém sai “de mãos a abanar” com “uma mão atrás e outra à frente” – isto para além cobarde “lavar de mãos de Pilatos,” (Mateus 27. 24) e dado “não haver mãos a medir”! A mão, nos tempos que correm, foi como um todo destronada pelo ditador do dedo, ( do latim digitus), que passa a ser não só o rei da mão como também o soberano do mundo do like”: o que está sempre à espera da infoesfera, de meios digitais. Uma mão leva ao dedo e no “dedilhar vorazmente” aquele telefone inteligente, smartphone, é que é existir! O dedo e o smartphone até são incapazes de ficar “em pele de galinha”, sem conseguirem ver mais longe, convertem-se no lugar que destrói a empatia, inativa o pensamento, obscurecendo-o, fá-lo desinteressar-se pelas coisas, nega-lhe o atuar e a criatividade, gamifica-lhe a vida, narcisa-o e transforma-o num autoritário/ditador inconsciente do Like!
Tem dificuldade em movimentar os dedos? Se não tiver, ótimo. Porque, caso contrário, pode ter o dedo em gatilho e, assim sendo, terá que ir ao médico para estar à vontade no digitar do seu smartphone…
Os dedos, os dedos são os dedos!
No século IV a.C., em Atenas, quando o filósofo Diógenes deixou claro o que pensava sobre o orador Demóstenes, fê-lo recorrendo ao famoso gesto para expressar o seu desprezo pelo político e, ao exibir o dedo médio, ainda acrescentou: “Este é o grande demagogo”.
Este gesto encontra-se enraizado na vida quotidiana de muitos países e pode significar uma forma de protesto, raiva, excitação e etc.
Na obra Epigrammata, uma composição poética breve que expressa um único pensamento principal, do poeta latino Marcial, no século I d.C., um dos personagens que é conhecido por sempre ter tido boa saúde mostra o dedo médio – “o dedo indecente” – aos seus três médicos.
Estes exemplos, entre outros, com o “homo digitalis” estão a levar caminho dado o dedo indicado, segundo dedo da mão, a contar a partir do polegar, usurpou o estatuto ao dedo médio, terceiro dedo a contar do polegar.
Os dedos podem ser usados com muito critério e cuidado: “ a dedo”, “apontar a dedo”, “dar dois dedos de conversa”, “estar a dois dedos de…”, “ ficar a chuchar no dedo”, “meter os dedos pelos olhos de alguém”, “num estalar de dedos”, “pôr o dedo na ferida”, “ter dedo para alguma coisa” e, em especial, para o ecrã do “Smartphone”, infoesfera, e as «suas algemas com o poder de domar e solicitar necessidades supérfluas.»
Já agora, aponte para a lua, mas não olhe para o dedo e veja o quanto você é raro!
Carlos M.B. Geraldes (Ph.D.)