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Diretor: Paulo Menano

OPINANDO:Viver no outro lado da luta


Quem passa pela Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, em Lisboa, encontra todos os dias uma imagem que fere a dignidade de um Estado de Direito. Homens, mulheres e crianças em fila desde a madrugada, à espera de um lugar, de um atendimento, de uma oportunidade de legalizar a sua vida em Portugal. A espera, por vezes sem garantia de atendimento, torna-se o símbolo de uma burocracia que já não responde ao país que temos, nem ao país que queremos ser.
Este cenário não é novo. Tem sido denunciado por associações, por jornalistas e por quem passa e não consegue olhar para o lado. Mas continua. E a persistência do problema revela que não se trata de um episódio pontual ou de uma falha operacional, mas de uma desorganização estrutural do atendimento consular interno e, mais profundamente, da forma como o Estado português tem vindo a tratar os seus imigrantes: como problema, quando são parte da solução.
Conheço de perto a realidade da Direção-Geral dos Assuntos Consulares. Fui assessor no Ministério dos Negócios Estrangeiros e trabalhei com muitos dos seus quadros. Sei do esforço, do sentido de missão e da qualidade técnica que ali existe. Mas sei também que não basta a boa vontade dos profissionais. É preciso dotar os serviços de meios humanos e materiais, sim, mas sobretudo de um modelo que sirva a realidade atual e não a de há vinte anos.
Defendo, por isso, que o Estado português adote um sistema de marcação por agenda para os serviços consulares em território nacional, à semelhança do que já se faz no SNS ou em alguns serviços das finanças. O cidadão, nacional ou estrangeiro, deve poder agendar o seu atendimento por via digital, telefónica ou presencial, sem ter de enfrentar uma fila à porta de um edifício público como quem mendiga por um direito básico. Esta medida permitiria organizar o fluxo de pessoas, proteger os mais vulneráveis e tornar o serviço mais previsível e transparente. Não se trata de inovação radical, mas de bom senso administrativo e respeito pelo tempo e pela dignidade de cada um.
É certo que a migração coloca desafios. Mas não é menos certo que Portugal precisa de imigração para enfrentar o inverno demográfico e revitalizar setores fundamentais da economia. O que está em causa não é um favor que se faz a quem chega. É o cumprimento de um dever por parte de quem acolhe. A forma como tratamos os nossos imigrantes revela o grau de maturidade das nossas instituições. E, neste momento, o que se vê à porta da DGACCP é indigno de um país europeu, democrático e civilizado.
Viver no outro lado da luta é saber o que significa esperar horas em pé, com uma criança ao colo, sem saber se haverá resposta. É carregar na pele o peso da incerteza e, ainda assim, acreditar que vale a pena tentar. Portugal deve estar à altura dessa esperança. Não com discursos, mas com soluções. E a marcação por agenda é uma das mais simples, eficazes e humanas que podemos aplicar já. A questão é saber se queremos mesmo resolver o problema — ou se nos habituámos à vergonha de o ignorar.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador autor