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Diretor: Paulo Menano

Opinando: “O Tirano” de Carlos M. B. Geraldes


“O tirano tem que se apresentar com um semblante não severo mas majestoso, de forma a incutir respeito, em vez de temor, nos que com ele contactam.”

Aristóteles, Política, 1314 b – 15, p. 425

Quem faz a Política?

Aristóteles (384 a.C. — Atenas, 322 a.C.) ao fazer um levantamento sobre as cerca de 150 constituições existentes no seu tempo, concluiu que as sociedades se organizam em regimes políticos e que podem ser classificados de acordo com o número daqueles que exercem o mando na política. Quando, por exemplo, o poder encontra-se nas mãos de um só homem, o rei, que governa segundo a tradição e os costumes, teremos um regime monárquico. Se o regime for dos melhores dos seus cidadãos (aristós), temos uma aristocracia e, se o regime é de todos (demos), trata-se de uma Politéia (de uma república). Todos eles, entretanto, tendem inevitavelmente à perversão, à deturpação, provocando o surgimento de formas políticas bastardas, tais como a tirania, a oligarquia e a democracia. A tirania, corrupção da monarquia, é o governo de um só homem que governa discricionariamente, segundo o humor e capricho. A oligarquia, deturpação da aristocracia, é o governo de um grupo que rege as coisas públicas atendendo apenas ao seu exclusivo interesse, e a democracia – decadência da Politéia – é o poder discricionário da multidão, que move uma perseguição aos ricos e a todos os que se lhe opõem.

Ora, é todo um modo de vida com o qual a condição humana terá de (re) agir enquanto ser vivo.
Esta breve introdução tem como objetivo permitir-nos olhar para um país localizado no norte da Eurásia, Rússia, e para a peça de encenação que a sua liderança nos faz entrar em casa, via meios de comunicação. Não como a peça que é encenada no filme “O Pai Tirano ou o Último dos Almeidas” , mas como um déspota: Sic semper tyrannis, que significa “Assim sempre aos tiranos”, que, segundo a tradição, foi possivelmente proferida por Marco Júnio Bruto durante o assassinato de Júlio César.

Todo aquele que ao liderar não serve o outro a libertar-se da escravidão dos apetites individuais, que são as causa e os efeitos nefastos da comunidade que guia é, em princípio, um líder fraco ou um tirano.

Atentemos então ao seguinte:
1 – Étienne La Boétie, no Discurso Sobre a Servidão Voluntária, faz a seguinte afirmação: “o tirano fisicamente é igual aos restantes seres humanos.” Daqui podemos inferir, em certa medida, um incitamento subtil à violência, como instrumento para derrubar todo circo que nega a liberdade pura. Isto porque, em primeiro lugar, a violência sobre os súbditos era característica comum dos tiranos, em segundo lugar, por mais paradoxal que pareça, possui um conhecimento muito claro sobre o quão frágil o corpo é, ou seja, tem consciência de que o corpo é de dimensão pública, e concomitantemente, é limitado a um espaço e a um tempo. Ora, havendo uma consciência da limitação da sua existência no seu começo e no seu futuro e, sendo um poder que recuse orientar os súbditos para uma liberdade, conforme à verdadeira natureza humana, pode inferir-se que em situações de extrema servidão, há uma legitimidade em assumirmos uma atitude, já de per si radical em relação à condição humana, que se traduz no encurtar a vida do tirano: vindimando-o.

Portanto, a relação tirano versus povo com base na sua dimensão biológica é algo que no imediato se pode resolver. Encontramos aqui uma liberdade espiritual interior de carácter puro que poderá ser loucura mas é um meio de contornar o problema em favor dos povos.

2 – Comportamentos contrários à vontade boa do princípio unificador.
Somos confrontados com uma capacidade de exercício de poder em que uma mente de má índole e a ausência de uma vontade boa conseguem manifestar comportamentos com um único objetivo: sustentar uma realidade em que o domínio sobre muitos, lacaiada e vulgacho, é um exercício normal.

Nesta perspetiva, deparamo-nos com um poder que vive constantemente repartido entre as opções numa escala hierarquizada entre o muito mal e o mal menor, ou seja, a maneira de valorar é sempre em primeiro lugar, do tirano e só depois de satisfeitos os apetites individuais é que se assume uma postura, quiçá, mais benévola e de falsa clemência, face aos seus aduladores e aos muitos que o legitimaram. É como se de uma leviandade biológica necessitasse de gozo e prazer. Efectivamente, somos confrontados com um narcisismo que inspira um prazer tão profundo que é proporcional ao gozo individual de cada tirano.

3 – La Boétie, no seu panfleto, A Servidão Voluntária, continua a dizer-nos que «são sempre quatro ou cinco os que estão no segredo do tirano, são esses quatro ou cinco que sujeitam o povo à servidão. […] Tal é a influência desses poucos sobre o caudilho que o povo tem de sofrer não só a maldade deste como também deles. Essa meia dúzia tem ao seu serviço mais seiscentos que procedem como eles como eles procedem com o tirano.» Daqui decorre que a natureza humana é insaciável, está constantemente a fazer auto-análises sobre toda a sua acção, e quando a corja dos aduladores, que formam a corrente que sustenta o tirano pensar que é beneficiada, todos serão chamados de bons; caso ocorra o inverso o povo será denominado de povo mau.

Ora, cabe-nos aqui questionar esta adulação, que rodeia o tirano, da seguinte maneira: quem és tu? porquê? O afã do adulador é o prazer, a paixão e o reconhecimento, o poder e a riqueza porque são o móbil de um futuro sempre em vista e este alicerça-se na ideia de que necessita de produzir qualquer coisa, de bom, para o seu tirano, e, portanto, todo o adulador que encara um prazer futuro concebe em si mesmo a ideia de que detém qualquer arte que lho permitirá obter. Por conseguinte, temos um adulador que tem a capacidade de produzir um futuro, ou seja, a sua capacidade de adulação é produto de um desejo que quer produzir mais desejo. Assim sendo, esta capacidade alicerça-se numa vontade de prazer, consubstanciada, no desejo de um poder individual, isto porque julga que o facto de conviver constantemente com o tirano, não é mais do que o irromper de uma possibilidade de exercer os seus vícios depravados como um poder sobre os muitos. Nesta medida, ele é igual ao tirano como, por exemplo, Sergey Lavrov, diplomata russo, e Ministro das Relações Exteriores da Rússia. Porque poderes que se pesam, supostamente, iguais não se opõem, ou seja, não se destroem. Deste modo não existe oposição e a sua luta é transferida para os seus concorrentes diretos, ou seja, aduladores que o acompanham na procura desenfreada em obterem as preferências e os favores do tirano. Observe-se a seguinte análise: se nascemos iguais, esta igualdade dilui-se numa sociedade perversa, ou seja, o adulador é aparentemente igual, mas a sua intensidade de desejar adular difere de indivíduo para indivíduo, logo, o que obtém mais favores do tirano é o que consegue interpretar os caprichos do tirano.

Ora, o reflexo do poder de cada adulador é sempre o resultado de uma satisfação que revela um desejo do tirano bem executado.

De acordo com o que atrás foi exposto, podemos encontrar uma desconfiança constante entre todos aqueles que frequentam os meandros da arena política em que o tirano vive, e um grave problema: uma capacidade reprodutora de aduladores e de uma cumplicidade de silêncios que alimentam todo um poder contrário aos bons princípios de uma unidade comunitária boa.

4 – O que temos estado a assistir a leste é todo um poder que reflecte uma imagem não só tirânica e possuidora de uma infinita aptidão para produzir efeitos, em grandes quantidades, no ser humano, mas também um poder que produz toda uma imagem que não é mais do que uma fantasia, alicerçada numa falsa e artificiosa legitimidade de uma deidade inexistente. É toda uma infeliz aventura que realça uma essência maléfica que se esconde, recriando-se, mas que se reproduz e exprime mediante imagens. É este um agir que se apresenta e representa, muitas vezes, (in) conscientemente, como um animal que se tiraniza, tiranizando o outro com imagens.
A vontade de se deificar no poder faz com que a imagem provoque o sentido da existência, faz com que o poder se sinta poderoso e fraco, porque ele procura captá-la, manipulá-la e adequá-la segundo um âmago cheio de caprichos e de interesses, assentes numa vontade de poder sobre ela. Para isso, faz uso de todos os processos que se encontram ao seu dispor, tanto naturais como artificias, para convencer os seus iguais.

Quem deve fazer a Política?

Segundo Aristóteles «não todos, mas somente os homens absolutamente justos.» Melhor dizendo, a vontade própria, enquanto vontade de poder, na sua capacidade de escolha é a capacidade de auto-realizar, caso opte pelo bem, uma vontade humana encarnada numa ação de: diferenciação, igualdade, bondade, fraternidade e de irmandade. Caso a vontade humana, escolha uma agir político negativo: transformará a sua vontade de poder face à vontade humana numa acção de tirania, onde a desconfiança se consubstanciará numa luta pura do reino do bem da vontade própria contra o reino de uma vontade própria má. Por estas razões, a vontade humana será sempre um campo de luta da própria vontade.

Porque a humanidade, para o bem e para o mal, ainda tem dificuldade em aceitar o melhor de si mesma, e por mais estranho que nos pareça ainda tem o mau hábito de preferir agir como tirânica de si mesmo e dos outros. O que faz explodir um sentido de existência que não é mais do que uma reunião de partes a transbordar um efeito de hostilidade. Só a morte lhe incute medo, apesar das boas surpresas que ainda encontramos neste humanizador caminhar de gatas.

Carlos Manuel Bernardino Geraldes (Ph.D.)