CARLOS LOPES conquistou a medalha de ouro há 40 anos Onde estavas na madrugada de 12 agosto de 1984?
Onde estavas tu ?
– “Estava na praia de Mira”. Estas foram, provavelmente, as primeiras férias em que fui sem os meus pais. Acampei no Parque de Campismo da FAOJ e tive o meu primeiro grande amor de verão. Tudo muito anos 80. A década que mudou o mundo.
Comemoram-se este ano os 40 anos da medalha de ouro de Carlos Lopes nos Jogos Olímpicos de Los Angeles. A primeira medalha de ouro de sempre para o país numa olimpíada, após vencer a prova da maratona.
A competição decorreu à tarde nos EUA, noite em Portugal. Agosto era mês de praia e Mira era um destino que nós, jovens do interior, procurávamos por ser perto, de acesso não muito difícil e mais barato por haver muita oferta para campismo. A montagem da tenda naquele dia já foi um filme e tudo o resto entrou na história.
Mas voltemos a Carlos Lopes e ao nervosismo que nessa noite se apoderou de nós em frente a uma TV a preto e branco, de uma família desconhecida que nos abriu a janela. Foi um momento marcante! Em Viseu, soube que houve festa logo no momento, mas pelos lados de Mira só mesmo alguns noctívagos se congratulavam e estavam incrédulos com este feito.
Nessa madrugada de agosto, recordo que já com os bares fechados nos encostámos à janela aberta da tal família desconhecida e ali, com a sua autorização, ficámos a ver a corrida. Eu era de Viseu e logo fiz questão de puxar pelos galões: ele é da minha cidade!
A verdade é que foi uma proeza incrível. Uma madrugada icónica para Portugal: 12 de agosto de 1984. Um dos dias portugueses mais longos. Temperatura elevada, dizia o comentador, e quando, ao 38.º quilómetro, desferiu o ataque, na corrida para o sonho, 200 metros de avanço, a entrada, firme, sorriso ligeiro no rosto, já nós não contínhamos a alegria e a emoção daquele momento. Faltavam poucos metros para assistirmos a história em direto.
Os holofotes de todo o mundo estavam no viseense Carlos Lopes. Eram 3:10 da madrugada em Portugal quando explodimos de contentamento e orgulho. O campeão torna-se herói, muito por si mesmo. Mas era o nosso herói.
Aos 37 anos, o Trambelo, após mais de 42 quilómetros, com uma temperatura de 30 graus, entra sozinho no Los Angeles Memorial Coliseum, acenando e quase desfilando como se não tivesse já 40 quilómetros nas pernas! A ovação no estádio era audível, mais de 90 mil pessoas, para o homem de ouro da maratona – a bandeira de Portugal no topo com a melhor marca olímpica de sempre.
Toda a história à volta da participação de Carlos Lopes nos Jogos Olímpicos de 1984 dava um excelente filme. Pouco antes da viagem para os EUA, Carlos Lopes foi atropelado por um carro quando treinava. Podia ter sido um episódio de uma tragédia. Treinava numa estrada, em Lisboa, de súbito o embate… “senti-me no ar, aos piparotes, caí e… levei algum tempo a levantar-me com medo de pensar que já não iria a Los Angeles. Ergui-me e a primeira coisa que fiz foi tentar correr. Corri e pensei para mim que se correra, então a medalha de ouro da maratona continuava à minha espera”. Mente de campeão.
Carlos Lopes não ficou na Aldeia Olímpica, mas num hotel que a Nike alugara para os seus atletas mais prestigiados: Carl Lewis, Alberto Salazar e Carlos Lopes.
Meses antes, mais propriamente em março, Carlos Lopes tinha vencido os Campeonatos Nacionais de Corta-Mato, realizados em Viseu, berço deste campeão. Já nesse momento a admiração por Carlos Lopes era enorme e vê-lo a correr ao vivo era um frenesim.
Os tempos eram outros e as condições em que os atletas se preparavam não têm qualquer comparação com os dias hoje. Nos primeiros tempos, no Sporting, Carlos Lopes ainda ponderou regressar a Vildemoínhos. Não era fácil para um jovem migrar para Lisboa. Mas a mente de campeão levou-o a outra opção: não vou regressar e vou triunfar aqui!
E foi campeão do Mundo de Corta-Mato em 1976. O L’Équipe escreveu: “filho de um pobre camponês de Viseu e exercendo a honesta, mas obscura, profissão de empregado bancário… indiferente, soberbo, atleta de busto ligeiro e pernas de puro-sangue. Carlos Lopes parecia um cavaleiro solitário, tendo inscrito na fronte a certeza da sua superioridade”. Nos Jogos Olímpicos de Montreal (Canadá), foi medalha de prata nos 10 mil metros.
Mas foi na madrugada do dia 12 de agosto de 1984, em que mais de 200 milhões de pessoas viram o seu triunfo, em direto pela televisão, que se fez história. Carlos Lopes fez mais pelo país numa hora que toda a propaganda existente até à altura.
Carlos Lopes e Joaquim Agostinho eram, e são, as minhas referências nos valores do desporto. A tenacidade de que hoje tanto se fala estava lá toda. A capacidade de adaptação, de lidar com a pressão, de ultrapassar a dor, de suportar as alterações climatéricas… São dois exemplos de superação, dois casos sérios de longevidade e de mente campeã.
É muito difícil explicar aos jovens de hoje estes feitos desportivos e fazê-los compreender as condições e o contexto em que eram alcançados. Mas temos de ter memória e gratidão. Os nossos heróis merecem.
Obrigado, Carlos Lopes!
Vítor Santos
Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto