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Diretor: Paulo Menano

Opinando: “A Res publica digital ou o estado de enfarte psíquico”, de Carlos M. B. Geraldes


A Res publica digital ou o estado de enfarte psíquico

Quem dispensar um momento do seu dia e olhar atentamente para o que ocorre ao seu redor verificará, no imediato, duas coisas: primeiro, gente sempre com ar de cansado e, em segundo, o mesmismo como comportamento.

Quanto ao ar cansado dão mostras de se sentirem como um fardo que resulta ou do excesso de coisas boas ou da incapacidade de saber o que se quer sem esforço para o seu propósito individual porque o cansaço provocado pelos meios de comunicação, as redes sociais e a sua nudez social, a sua predisposição para o insulto maléfico a tudo o que o digital lhe permita, dado ser especialista em tudo menos na sua imbecilidade e estupidez, revela um estado neuronal que deve ser indicio de um transtorno que lhe só pode turvar a inteligência e a compreensão das suas atitudes.

Quanto ao mesmismo como comportamento, apesar do cansaço hostil que as pessoas exercitam nas redes sociais, que resulta do facto de tudo ser idêntico porque o laboratório dos centros comerciais, dos ginásios, das frases feitas sobre ser-se feliz sem se saber “patavina” de nada nem o que as palavras querem dizer, só podem produzir neurónios frustrados, deprimidos, hiperatividade sem consciência social, défice de atenção etc. É como se o bem estar e o tédio da fartura, na vida, causasse um enfarte psíquico…

Ora o excesso de nada que a que república incentiva é de uma ausência atroz de atividades superiores, de um sufocamento que para além de produzir preguiça neuronal, ainda nos quer fazer olhar o diferente como uma ameaça e um fardo para o nosso bem-estar irrefletido. O cansaço pelo excesso de comunicação, de consumo, do apelo ao não fazer, e do não saber é a via silenciosa para uma autoagressão que nos asfixia, nos transforma em seres sem capacidade de contemplar, e faz rejeitar o diferente que é o mesmo que negarmos a nossa personalidade.

Rejeita-se o diferente pelo Watching You, é a nova ditadura alimentada por um olhar aturdido, obeso, domesticado pela perda de consciência, sem a experiência do diferente, logo não é possível adquirir conhecimento dado que o pensar e o interrogar já não fazem parte do menu. É o grau zero entre os interconectados sob a proteção do clique “gosto”. O supérfluo triunfou no lugar em que tudo se repete como um cálculo interminável ante a ausência do pensamento. O sujeito não distingue nada, simples notícias de informação, não tem a noção do outro. São Clones que quanto mais diferentes procuram ser mais se manifestam idênticos, isto é, perderam o medo de ser, o sentido de autenticidade, aceleraram o idêntico com o idêntico e são incapazes de marcarem a sua presença/identidade ao ponto de já não se horrorizam pelo facto de serem bonecos sem a honra de integrarem os “Robertos” do teatro de Marionetes porque não falam. Tudo é nivelado no inferno dom idêntico – visão que nem Dante, na sua obra A Divina Comédia, conseguiu futurar – do ressentimento, da inveja viral à qual é necessário criar, nem que seja com rezas, imunidades. Cada um autoexplora-se como se não existisse amanhã: “matando” sem dó e nem piedade o ousar pensar!

O diálogo com o outro deu lugar ao caráter diabólico, ao distante, ao irreconciliável. Os valores transsubjetivos deixaram de ter conteúdo a república é infestada de delinquentes digitais, sem civismo e solidariedade e o inimigo é a própria interrogação do diferente. Quando não há consumo que o monopoliza, dado viver em função dos objetos, afoga-se e desorienta-se. A irracionalidade triunfa porque não há hospitalidade/acolhimento para o outro, nem beleza, nem reconciliação e muito menos amabilidade. Descarregar é preciso e a ordem é deitar a mão ao Smartphone, Tablet, PC e mexer/olhar sem saber qual o sentido do like e do agredir. O medo de se ser triunfou. Este ser humano deixou-se cansar para não manifestar o seu ser e não edificar um rasto que o emancipe de ser um produto que age com o seu consentimento, oferecendo-se a um sistema que o transformou numa mera mercadoria depressiva, ansiosa, conflituosa e fracassada.

A indigência é opção primeira porque é sinónimo de sucesso ao contrário da redenção que é fracasso. É toda uma experiência de vida que manifesta tanto de escravatura digital como o medo de viver e brilhar. Tudo o que poderemos fazer é questionar ou assistir sentados ou sentarmo-nos, como se estivéssemos perdidos no tempo, a viver sem amar a vida e a ver coisas que não brilham no Portal da república terrena.

Carlos M. B. Geraldes (Ph.D.)